NA ESPERANÇA DE UM PAÍS MELHOR
Às vezes é preciso desobedecer, disse Salgueiro Maia há 41
anos.
Alguém falou, eu apenas ouvi... alguém publicou eu apenas consenti, mas isso não é importante porque a mensagem não fere ninguém, é apenas a realidade atual do nosso país.
Há 41 anos, os jovens capitães, irreverentes e
inconformados tinham já iniciado as operações militares de Abril. O desfecho
era imprevisível e podiam pagar com a vida, com o cárcere e certamente com a
miséria quando tinham pré-assegurada uma vida confortável à sombra da ditadura.
Mas a sua urgência de futuro falou mais alto e, com uma coragem indômita,
derrubaram a mais longa ditadura da Europa do ocidente.
O aparelho repressivo meticulosamente montado desde 1926, e
em especial desde 1933, caiu como um castelo de cartas. Com ele ruíram décadas
de ignorância, pobreza e isolamento. Caiu tudo isto, mas não caiu a memória. A
memória das torturas, a memória das prisões, a memória das perseguições, a
memória das mortes da responsabilidade, digo da irresponsabilidade da obsessão
fascista própria do Governo de direita de Salazar e Marcello Caetano. Pouco
depois, garantida a estabilidade democrática, os capitães de Abril entregaram o
poder aos partidos e ao soberano: o Povo.
E em 50 anos, o Povo tomou pela primeira vez as suas duas
maiores armas num sistema político verdadeiramente democrático a Palavra e o
Voto.
A Palavra para dizer Basta. A palavra para declamar poesia sem medos e sem
pudores.
O Voto para ser mais forte que a bala. Para escrutinar
ideias e visões.
E entre 1975 e 1980, a
participação eleitoral nas eleições legislativas nunca foi menor que 83%,
alcançando 91,7% nas eleições da primeira Assembleia Constituinte em 1975. É
2015 portanto também ano de comemoração dos 40 anos de Assembleia Constituinte
e de 39 anos de Constituição da República Portuguesa.
A Assembleia Constituinte afirmou a decisão do povo português de defender a
independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de
estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do
Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade democrática,
no respeito da vontade do povo
português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais
fraterno.
É portanto, a Constituição da República
Portuguesa de Abril de 1976 o documento basilar de desenvolvimento e de ação
política dos Governos da República.
E tanto conquistamos depois
de Abril e só com Abril.
O Sistema Nacional de Saúde
formalizado em 1979. Um sistema de saúde tendencialmente gratuito e universal.
Um sistema que transformou Portugal num país com uma das maiores taxas de
mortalidade infantil da Europa para uma das menores do Mundo. Um sistema
protetor, respeitador da dignidade humana e ainda assim ímpar nas sociedades
desenvolvidas. O mesmo sistema que hoje é vilipendiado pelo atual Governo da
República.
Portugueses sem médicos de família, doentes sem medicação, doentes
em listas de espera de anos. Este não é o SNS do início destes 40 anos de
Democracia. Abril também falta cumprir-se na saúde.
Conquista de Abril é ainda
o Sistema Nacional de Ensino que qualifica a democracia, qualifica os jovens
portugueses. O inglês nas escolas, a informatização das escolas, as aulas de
apoio, as aulas de substituição.
Também este vilmente atacado
pelo Governo. Foi ainda este ano lectivo, quando meses após o início das aulas,
milhares de alunos portugueses não tinham professores. A nova endemia do
abandono escolar. Alunos do ensino superior que desistem das suas carreiras
académicas por falta de meios.
Este não é o orgulho de Abril.
Conquistamos também um sistema judicial verdadeiramente justo, a Segurança Social e o poder local.
O citius, os cortes nas
pensões indiscriminadamente, o cortes nos meios das câmaras e das juntas de
freguesias. Todas são conquistas deste Governo. Conquistas de um país mais
injusto, inseguro, menos desenvolvido.
Tantas são as conquistas de
Abril. Mas tantas são os combates que temos pela frente.
Porque hoje, século XXI,
somos a geração mais qualificada de sempre, mas somos também a geração a quem
cortam os pés. A geração a quem pedem para emigrar. E nos últimos 3 anos tivemos 320 emigrantes por dia, 13 emigrantes por hora.
Emigração por vontade? Emigração para ir buscar o que de melhor existe fora de
Portugal? Não! Emigração por necessidade. Emigração por falta de perspetivas em
Portugal. Emigração resultado de obsessão pela austeridade semelhante à do
Estado Novo Fascista.
Nunca houve tantos
desempregados.
Nunca houve tantos precários.
Nunca houve tantos emigrados.
Nunca
houve tantos a receber o salário mínimo.
Nunca houve tantos com
formação superior a ganhar menos de 600 euros por mês.
Nunca houve uma geração a
quem todos os dias é atacada a dignidade. Nunca houve uma intenção tão clara em
criar uma guerra entre gerações. Criar conflito, para gerir. Este é o Lema do
Governo da República neste momento. Ricos contra pobres. Jovens contra menos
jovens. Privado contra público.
Este não é Portugal de
Abril e dos Capitães.
E não
nos conformamos, somos a geração da irreverência, a geração da luta. Herdamos a
esperança num mundo mais justo, livre e fraterno. Queremos cumprir com essa
esperança.
O povo tem que andar nas ruas. Esta é a hora!
«Tu avanças sempre e não
recuas
Quando se ergue a hora da
ameaça
Mesmo que tenhas de morrer
na praça
Porque não estás só mas
continuas
P'ra que não haja grades
nem mordaça
Porque não estás só mas
continuas
E os -outros unem suas mãos
às tuas
P'ra que um mundo mais
justo e livre nasça
Por isso avanças sempre e
não recuas
Connosco a poesia está nas
ruas.»
SOPHIA DE MELLO BREYNER
ANDRESEN
Associação Recreativa Novelense